Incidem imposto de renda e contribuição previdenciária no caso de estabilidade provisória?
- Alan L Meirelles Monteiro
- 17 de out. de 2023
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É comum haver casos em que existe o reconhecimento da estabilidade provisória por decisão judicial após o período de garantia do emprego, o que acaba impossibilitando a reintegração. Surge, então, a questão de saber se os salários devidos em função dessa estabilidade, que serão pagos na fase de cumprimento da sentença, terão natureza salarial ou indenizatória?
Essa distinção é importante porque, de acordo com o art. 201, §11º, da Constituição Federal de 1998, com redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/1998: “Os ganhos habituais do empregado, a qualquer título, serão incorporados ao salário para efeito de contribuição previdenciária e consequente repercussão em benefícios, nos casos e na forma da lei”.
O salário de contribuição pode ser definido, portanto, como o valor que serve de base de cálculo para a incidência das alíquotas das contribuições previdenciárias dos segurados (Manual de direito previdenciário / Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari. – 26. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2023).
No caso do segurado empregado e trabalhador avulso, entende-se por salário de contribuição: “a remuneração auferida em uma ou mais empresas, assim entendida a totalidade dos rendimentos pagos, devidos ou creditados a qualquer título, durante o mês, destinados a retribuir o trabalho, qualquer que seja a sua forma, inclusive as gorjetas, os ganhos habituais sob a forma de utilidades e os adiantamentos decorrentes de reajuste salarial, quer pelos serviços efetivamente prestados, quer pelo tempo à disposição do empregador ou tomador de serviços nos termos da lei ou do contrato ou, ainda, de convenção ou acordo coletivo de trabalho ou sentença normativa” (art. 28º, I, da Lei nº 8.212/91).
Sendo assim, segundo o art. 28º, I, da Lei nº 8.212/91, só haveria incidência de contribuição previdenciária sobre os valores que se destinam à retribuição pelo trabalho. Por consectário lógico, não deveria haver incidência de contribuições previdenciárias sobre as verbas de natureza indenizatória.
Do ponto de vista das obrigações previdenciárias, é importante saber se deve incidir contribuições previdenciários sobre os valores pagos (salário vencidos) em razão do reconhecimento do direito a estabilidade provisória.
A jurisprudência do TST é no sentido de ser indevida a contribuição previdenciária sobre a indenização substitutiva da estabilidade provisória do trabalhador, ante a natureza indenizatória da parcela.
Nesse sentido, citam-se os seguintes julgados do TST:
"AGRAVO DE INSTRUMENTO DO RECLAMADO . VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. NULIDADE DA DISPENSA . REINTEGRAÇÃO. EMPREGADA REABILITADA. LEI N° 8.213/91 . NÃO CONTRATAÇÃO DESUBSTITUTO. Não há como reformar a decisão regional, diante da ausência de violação dos dispositivos apontados. Agravo de instrumento desprovido. RECURSO DE REVISTA DA RECLAMANTE . REINTEGRAÇÃO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS. PAGAMENTO DE INDENIZAÇÃO EQUIVALENTE AOS SALÁRIOS VENCIDOS. A decisão do eg. TRT que atribui natureza jurídica indenizatória aos valores devidos pelo contrato indevidamente rompido e, por isso, afasta o recolhimento da contribuição previdenciária, está em consonância com iterativa jurisprudência desta Corte Superior. Incidência da Súmula nº 333 do TST. Recurso de revista não conhecido" (ARR-971-35.2013.5.01.0241, 6ª Turma, Relator Ministro Aloysio Correa da Veiga, DEJT 08/11/2019).
RECURSO DE REVISTA DO HOSPITAL PARANAENSE DE OTORRINOLARINGOLOGIA LTDA. LEI 13.015/14. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. NATUREZA INDENIZATÓRIA. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. NÃO INCIDÊNCIA. Hipótese em que o Tribunal Regional considerou devido o recolhimento das contribuições previdenciárias sobre os valores resultantes da conversão do direito de reintegração em indenização. A jurisprudência do TST é no sentido de ser indevida a contribuição previdenciária sobre a indenização substitutiva da estabilidade provisória do trabalhador, ante a natureza indenizatória da parcela. Precedentes. Indenes citados artigos de lei. Recurso de revista conhecido por divergência jurisprudencial e provido. ( ARR - 1529-86.2014.5.09.0002 Data de Julgamento: 25/04/2018, Relator Ministro: Alexandre de Souza Agra Belmonte, 3ª Turma, Data de Publicação: DEJT 27/04/2018).
CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS - INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA DA REINTEGRAÇÃO – PARCELA INDENIZATÓRIA. As indenizações referentes aos períodos de estabilidade provisória, sejam elas legais ou convencionais, cuja obrigação de pagamento exsurge quando frustradas as referidas garantias do emprego por dispensas imotivadas, não se destinam a retribuir o tempo de trabalho despendido ou à disposição do empregador, mas, sim, a indenizar a perda do emprego assegurado pela estabilidade. Desse modo, revestem-se de caráter indenizatório e são infensas à incidência de contribuições previdenciárias. Precedentes desta Corte. Recurso de revista conhecido e provido. (RR - 862-24.2010.5.09.0008 Data de Julgamento: 07/12/2016, Relator Ministro: Luiz Philippe Vieira de Mello Filho, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 09/12/2016).
RECURSO ORDINÁRIO. CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS E FISCAIS. ESTABILIDADE PROVISÓRIA. INDENIZAÇÃO SUBSTITUTIVA. A parcela paga a título de indenização pelo período estabilitário não se destina a retribuir o tempo despendido ou à disposição do empregador, mas indenizar a perda do emprego assegurado pela estabilidade, razão pela qual não se cogita das incidências da contribuição previdenciária e do imposto de renda. Precedentes. Recurso ordinário conhecido e provido. (Ag-RO - 5895-77.2011.5.02.0000, Rel. Min. Alberto Luiz Bresciani de Fontan Pereira, Subseção II Especializada em Dissídios Individuais, DEJT de 11/9/2015)
Portanto, segundo entendimento pacificado pelo TST, sempre que o empregado tiver direito a estabilidade provisória, mas for considerada inviável a reintegração, os valores a serem percebidos pelo empregado em razão disso, terão natureza indenizatória, não devendo incidir contribuições previdenciárias.
Sob o aspecto das obrigações tributárias, é importante saber se esses valores pagos (salário vencidos) em razão do reconhecimento do direito a estabilidade provisória, devem ser tributados para fins de imposto de renda.
De acordo com o art. 7º, inciso I, da Constituição Federal de 1988:
Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:
I - relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
Os artigos 495º, 496º e 497º da CLT, inseridos no capítulo da estabilidade de empregado que conta com mais de 10 (dez) anos de serviço na mesma empresa, preveem o seguinte:
Art. 495º - Reconhecida a inexistência de falta grave praticada pelo empregado, fica o empregador obrigado a readmiti-lo no serviço e a pagar-lhe os salários a que teria direito no período da suspensão.
Art. 496º - Quando a reintegração do empregado estável for desaconselhável, dado o grau de incompatibilidade resultante do dissídio, especialmente quando for o empregador pessoa física, o tribunal do trabalho poderá converter aquela obrigação em indenização devida nos termos do artigo seguinte.
Art. 497º - Extinguindo-se a empresa, sem a ocorrência de motivo de força maior, ao empregado estável despedido é garantida a indenização por rescisão do contrato por prazo indeterminado, paga em dobro.
Apesar dos dispositivos acima referidos tratarem de espécie de estabilidade que não foi recepcionada pela atual Constituição, uma vez que esta, ao contrário da Carta de 1967, instituiu um único regime jurídico inerente à relação empregatícia (o regime do FGTS), o art. 8º da CLT permite, aos aplicadores do direito, na falta de disposições legais específicas, decidir por analogia, equidade e outros princípios e normas gerais do direito.
Sendo assim, percebe-se que a ratio legis (razão de ser da lei) emanada dos art. 495º, art. 496º e art. 497º da CLT, supratranscritos, indica que, entendendo o tribunal ser a reintegração inviável, os valores a serem percebidos pelo empregado amoldam-se à indenização prevista no artigo 7°, I, da Constituição Federal de 1988, em face da natureza eminentemente indenizatória.
Nesse mesmo sentido, pode-se acrescentar também o art. 479º da CLT, segundo o qual: “Nos contratos que tenham termo estipulado, o empregador que, sem justa causa, despedir o empregado será obrigado a pagar-lhe, a título de indenização, e por metade, a remuneração a que teria direito até o termo do contrato”.
Isso porque a finalidade da garantia da estabilidade provisória se aproxima da finalidade do contrato por tempo determinado, posto que a estabilidade, em síntese, visa garantir a permanência do empregado no emprego durante certo período de tempo. Com efeito, da mesma forma que se estabeleceu, pelo legislador, que o valor devido a um empregado em razão da sua dispensa antes do término do contrato, por tempo determinado, terá natureza indenizatória, por igual razão, os valores devidos ao empregado em razão da sua dispensa antes do término da estabilidade provisória também deveria ter natureza indenizatória.
O STJ, em sede de recurso repetitivo - REsp 1142177 / RS, pacificou a questão relativa à incidência do imposto sobre a renda em relação ao pagamento de verba decorrente de reintegração do servidor ao cargo por decisão judicial, fixando as seguintes teses, que se complementam:
Tema repetitivo 360: “Os valores a serem pagos em razão de decisão judicial trabalhista, que determina a reintegração do ex-empregado, assumem a natureza de verba remuneratória, atraindo a incidência do imposto sobre a renda. Isso porque são percebidos a título de salários vencidos, como se o empregado estivesse no pleno exercício de seu vínculo empregatício”.
Tema repetitivo 361: “Sendo a reintegração inviável, os valores a serem percebidos pelo empregado amoldam-se à indenização prevista no artigo 7°, I, da Carta Maior, em face da natureza eminentemente indenizatória, não dando azo a qualquer acréscimo patrimonial ou geração de renda, posto não ensejar riqueza nova disponível, mas reparações, em pecúnia, por perdas de direitos, afastando a incidência do Imposto sobre a Renda”.
Portanto, segundo entendimento pacificado pelo STJ, sempre que o empregado tiver direito a estabilidade provisória, mas seja considerada inviável a reintegração, os valores a serem percebidos pelo empregado, em razão disso, terão natureza indenizatória, não devendo incidir imposto de renda.
O recolhimento indevido de tributos pode gerar o direito a restituição desses valores.
Fontes bibliográficas:
Manual de direito previdenciário / Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari. – 26. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2023;
Curso de Direito do Trabalho / Carlos Henrique Bezerra Leite. – 14. ed. – São Paulo : SaraivaJur, 2022.
Alan Monteiro
Advogado especialista em direito previdenciário
Publicado em 18/10/2023