Turno ininterrupto de revezamento e labor habitual em sobrejornada
- Alan L Meirelles Monteiro
- 29 de set. de 2024
- 13 min de leitura
Atualizado: 4 de set.
Um dia pode ser dividido, por exemplo, em três turnos, no período da manhã, no período da tarde e no período da noite. Uma empresa pode funcionar apenas durante parte do dia ou pode ter uma atividade constante ou ininterrupta. Caso uma empresa funcione sem interrupção de funcionamento, ela precisará contratar uma quantidade de empregados suficiente para que trabalhem nos diferentes turnos, de modo a respeitar também a jornada máxima de trabalho permitida.
Esses empregados podem ter que trabalhar em turnos ininterruptos fixos (em que o empregado sempre trabalha no mesmo turno, tendo seu horário de entrada e saída definido, sem sofrer modificação) ou em turnos ininterruptos de revezamento (em que há constante modificação dos horários de trabalho dos empregados, com alternância fixada por escalas de revezamento).
Os revezamentos de turnos que fazem com que o empregado tenha que trabalhar tanto de dia quanto à noite, acaba por gerar um desequilíbrio no chamado ritmo circadiano ou “relógio biológico” mediante abruptas mudanças de turno de trabalho (Curso de direito do trabalho / Luciano Martinez. – 11. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020).
Nesse sentido, a jurisprudência do TST:
Orientação Jurisprudencial nº 360 do TST: TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. DOIS TURNOS. HORÁRIO DIURNO E NOTURNO. CARACTERIZAÇÃO. Faz jus à jornada especial prevista no art. 7º, XIV, da CF/1988 o trabalhador que exerce suas atividades em sistema de alternância de turnos, ainda que em dois turnos de trabalho, que compreendam, no todo ou em parte, o horário diurno e o noturno, pois submetido à alternância de horário prejudicial à saúde, sendo irrelevante que a atividade da empresa se desenvolva de forma ininterrupta. Observação: DJ 14/3/2008.
"(...) RECURSO DE REVISTA DO AUTOR. LEI Nº 13.467/2017. HORAS EXTRAS . TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO . CARACTERIZAÇÃO. LABOR EM DOIS TURNOS . TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA CONSTATADA. É sabido que o labor com a alternância de turnos gera ao trabalhador maior desgaste físico e mental, em virtude de desregular diversos fatores biológicos e comprometer a sua higidez. Além dos danos à saúde, tal prática afeta seriamente o campo psicossocial do indivíduo, pois dificulta o convívio familiar e impede a realização de atividades que exijam regularidade. Com isso, havendo o trabalho com a alternância periódica de horário, não importa ser semanal, quinzenal ou mensal, de modo que esteja o empregado submetido, no todo ou em parte, ao horário diurno e noturno, será aplicável a jornada especial prevista no artigo 7º, XIV, da Constituição Federal. Nesse sentido é o entendimento desta Corte, consubstanciado na Orientação Jurisprudencial nº 360 da SBDI-1. Recurso de revista conhecido e provido" (ARR-11579-86.2015.5.15.0062, 7ª Turma, Relator Ministro Claudio Mascarenhas Brandao, DEJT 28/08/2020).
Em razão do prejuízo à saúde do trabalhador que decorre da alternância constante de horário de trabalho, o art. 7º, XIV, da Constituição Federal (CRFB) estabelece que a jornada dos turnos ininterruptos de revezamento é de 6 horas diárias (Direito do trabalho / Carla Teresa Martins Romar; coordenador Pedro Lenza. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018).
Dessa forma, a própria Constituição Federal prevê, nesses casos, uma redução da jornada de trabalho normal, que é de 8 horas diárias, conforme art. 7º, XIII, da CRFB/88, para 6 horas diárias.
Veja-se que a concessão de intervalo intrajornada (intervalo para repouso e alimentação) dentro de cada turno e de repouso semanal não descaracteriza o turno de revezamento com jornada de 6 horas diárias. Nesse sentido, a Súmula 360 do TST e a Súmula 675 do STF.
Apesar da Constituição Federal de 1988 ter estabelecido uma jornada de trabalho de 6 horas para os empregados que cumprem turnos ininterruptos de revezamento, permitiu a majoração dessa jornada por meio de negociação coletiva, conforme art. 7º, inciso XIV: “jornada de seis horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva”.
Sobre esse tema, o Tribunal Superior do Trabalho – TST pacificou, por meio da Súmula nº 423, o entendimento de que é possível o aumento da jornada de trabalho de 6 (seis) para 8 (oito) horas diárias dos empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento. De modo que, nesse caso, os empregados não teriam direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas como extras.
Sendo assim, nos casos em que houver a majoração da jornada de trabalho por meio de negociação coletiva, o direito ao pagamento das horas extras só seria possível, em tese, se o empregado trabalhasse em jornada superior as 8 (oito) horas diárias. Porém, esse trabalho extraordinário não poderia acontecer de forma habitual, sob pena de ser considerado inválido o acordo ou convenção coletiva.
Nesse sentido, destacam-se os seguintes precedentes do Colendo TST:
"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NA VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.467/17. TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. NEGOCIAÇÃO COLETIVA. LIMITE DE OITO HORAS. EXTRAPOLAMENTO. PRESTAÇÃO HABITUAL DE HORAS EXTRAS. INVALIDADE. SÚMULA N.º 423 DO TST. 1. A jurisprudência desta Corte Superior é firme no sentido de que a inobservância do limite diário estabelecido em norma coletiva para os turnos ininterruptos de revezamento, com prestação habitual de horas extras, invalida o pactuado. Inteligência da Súmula n° 423 do TST. 2. Na hipótese, o Tribunal Regional concluiu pela invalidade do turno ininterrupto de revezamento de oito horas diárias, ajustado por negociação coletiva, tendo em vista a prestação habitual de horas extras, além da oitava hora diária. 4. Logo, a Corte Regional adotou entendimento que se harmoniza com o entendimento desta Corte Superior, circunstância que inviabiliza o recurso de revista, ante os termos do art. 896, § 7º, da CLT e da Súmula nº 333 do TST. Agravo a que se nega provimento. (...) (Ag-AIRR-21024-67.2019.5.04.0233, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 15/04/2024).
"AGRAVO INTERNO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA - PROCESSO SOB A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 - TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO - ELASTECIMENTO DA JORNADA DE TRABALHO - EXISTÊNCIA DE HABITUAL LABOR EXTRAORDINÁRIO - NEGOCIAÇÃO COLETIVA - DESCARACTERIZAÇÃO. Em se tratando de turno ininterrupto de revezamento, é válido o elastecimento da jornada especial de seis horas, prevista no art. 7º, XIV, da Constituição da República, mediante negociação coletiva até a oitava hora diária, nos termos da Súmula nº 423 do TST. Todavia, a prestação de horas extraordinárias habituais, em patente afronta ao limite diário e coletivamente imposto, descaracteriza o ajuste coletivo, sendo devidas como extraordinárias as horas trabalhadas além da 6ª diária. Agravo interno desprovido" (Ag-AIRR-101256-71.2018.5.01.0205, 2ª Turma, Relatora Desembargadora Convocada Margareth Rodrigues Costa, DEJT 08/03/2024).
"RECURSO DE REVISTA. LEIS NºS 13.015/2014 E 13.467/2017. HORAS EXTRAS. TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. NORMA COLETIVA. PRESTAÇÃO HABITUAL DE HORAS EXTRAS PARA ALÉM DA OITAVA DIÁRIA. SÚMULA Nº 423 DO TST. DESCUMPRIMENTO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Essa Corte Superior consolidou a sua jurisprudência no sentido de que, na hipótese em que a norma coletiva autoriza o labor para além das seis horas diárias em turnos ininterruptos de revezamento, a prestação habitual de trabalho extraordinário ultrapassando a oitava hora diária e a quadragésima quarta semanal descaracteriza a cláusula coletiva. Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento" (RR-788-96.2022.5.08.0130, 3ª Turma, Relator Ministro Alberto Bastos Balazeiro, DEJT 15/03/2024).
"AGRAVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. HORAS EXTRAS. TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. PRORROGAÇÃO DA JORNADA MEDIANTE NORMA COLETIVA. DESCUMPRIMENTO DA NORMA COLETIVA. INVALIDADE. Nos termos da Súmula 423 do TST, "estabelecida jornada superior a seis horas e limitada a oito horas por meio de regular negociação coletiva, os empregados submetidos a turnos ininterruptos de revezamento não tem direito ao pagamento da 7ª e 8ª horas como extras." O Regional considerou inválidas as cláusulas do acordo coletivo que fixam a jornada prestada em turnos ininterruptos de revezamento em 8 horas diárias, ante o descumprimento da norma coletiva, mediante a extrapolação habitual da jornada de 8 horas, condenando a ré ao pagamento de horas extras excedentes da 6ª diária. O reconhecimento das negociações coletivas para fins de alteração da jornada de trabalho nos turnos interruptos de revezamento, nos termos do art. 7º, XIV, da Constituição Federal, não autoriza a empregadora a exigir a prestação habitual de horas extras, sob pena de desconsiderar norma de caráter imperativo, que visa à proteção da saúde do empregado. Segundo a iterativa, notória e atual jurisprudência do TST, a prestação habitual de horas extras invalida a prorrogação para até 8 horas diárias em turnos interruptos, fazendo jus o empregado à remuneração das horas extraordinárias a partir da 6ª hora diária. Agravo conhecido e desprovido" (Ag-AIRR-12451-79.2016.5.03.0069, 3ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 17/12/2021).
"AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DO RÉU. LEI Nº 13.467/2017. HORAS EXTRAS. TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. PRORROGAÇÃO DA JORNADA MEDIANTE NORMA COLETIVA. HORAS EXTRAS HABITUAIS. DESCUMPRIMENTO DO PACTUADO. INVALIDADE. AUSÊNCIA DE TRANSCENDÊNCIA. O Tribunal Regional, apesar de registrar expressamente a existência de norma coletiva que prevê jornada de trabalho de 8 (oito) horas para o labor em turnos ininterruptos de revezamento, consignou que houve prestação habitual de horas extras. Sobre o tema, é pacífico o entendimento desta Corte Superior de que a prestação habitual de horas extras, além da 8ª diária, desnatura o regime de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento, pactuado mediante norma coletiva, de forma que deve ser observada a jornada prevista no artigo 7°, XVI, da Constituição Federal. Nesse contexto, a decisão recorrida está de acordo com a jurisprudência desta Corte. Irrepreensível a decisão agravada. Agravo conhecido e desprovido" (Ag-AIRR-1000822-76.2019.5.02.0049, 7ª Turma, Relator Ministro Alexandre de Souza Agra Belmonte, DEJT 22/03/2024).
"AGRAVO EM AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO PELO RECLAMANTE. TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. JORNADA DIÁRIA DE 8 HORAS. ALTERNÂNCIA DE TURNOS. NORMA COLETIVA. INCIDÊNCIA DA TESE FIXADA PELO STF, NO JULGAMENTO DO ARE 1.121.633 (TEMA 1046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL). TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. O Tribunal Regional considerou válida norma coletiva que previu a jornada diária de 8 (oito) horas em alternância de turnos 2. Com efeito, o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do tema 1046, fixou a seguinte tese jurídica: " São constitucionais os acordos e as convenções coletivas que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis ". 3. Além disso, a Súmula 423 do TST preceitua ser possível o elastecimento da jornada, nos turnos ininterruptos de revezamento, por meio de negociação coletiva, limitada a 8 horas. E, há registro, no acórdão regional, que ordinariamente não ocorria extrapolação, ao contrário do alegado. 4. Nesse contexto, considerando-se os efeitos vinculantes e a eficácia erga omnes da decisão proferida pelo STF no Tema 1046, bem como o teor da Súmula 423 do TST, impõe-se manter o acórdão do Tribunal Regional, que entendeu pela validade da norma coletiva. Agravo conhecido e não provido" (Ag-AIRR-1001292-79.2020.5.02.0435, 8ª Turma, Relatora Ministra Delaide Alves Miranda Arantes, DEJT 09/09/2024).
Percebe-se, assim, que a jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho era pacífica no sentido de que o labor extraordinário habitual consubstanciaria descumprimento da negociação coletiva e consequente ineficácia do pactuado.
Contudo, a partir do julgamento do RE 1.476.596/MG, em abril de 2024, pelo Supremo Tribunal Federal, no qual foi decidido, por unanimidade, que “O eventual descumprimento de cláusula de norma coletiva não é, de todo modo, fundamento para a sua invalidade”, vêm sendo proferidas decisões pelas Turmas do TST no sentido de superar a jurisprudência até então prevalecente, conforme precedentes a seguir apresentados:
"RECURSO DE REVISTA. TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. ELASTECIMENTO. PREVISÃO EM NORMA COLETIVA. LABOR HABITUAL EM SOBREJORNADA. VALIDADE DA NORMA COLETIVA. TEMA 1.046. TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA.1. Discute-se a validade e aplicabilidade de norma coletiva que prevê jornada de oito horas em turnos ininterruptos quando constatada a prestação de horas extras habituais.2. Não há dúvida quanto à possibilidade de que, por meio de norma coletiva, possa se majorar para oito horas a jornada em turnos ininterruptos de revezamento (art. 7º, XIV, da Constituição Federal – parte final e Súmula n.º 423 do TST).3. No mesmo sentido, a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento do Tema 1046 da Repercussão Geral apregoa que "são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis".4. De outro lado, a jurisprudência deste Tribunal Superior do Trabalho firmou-se no sentido de que o labor extraordinário habitual consubstanciaria descumprimento da negociação coletiva e consequente ineficácia do pactuado.5. Não obstante, no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.476.596 – MG, encaminhado ao Supremo Tribunal Federal como representativo da controvérsia (CPC/2015, art. 1.036, § 1º), o Plenário, por unanimidade, entendeu que a prática habitual de horas extras não consubstancia distinção relevante à incidência do Tema 1046 e, portanto, não invalida ou torna inaplicável a negociação coletiva que autoriza o trabalho em turnos de revezamento com jornada de oito horas.6. Nesse contexto, é preciso superar a jurisprudência até então prevalecente e, alinhando-se ao decidido pelo Supremo Tribunal Federal, reconhecer que a consequência da extrapolação habitual da jornada fixada por norma coletiva é o pagamento de tais horas como extras e não a desconsideração da jornada negociada coletivamente.Recurso de revista não conhecido" (RR-1000156-04.2020.5.02.0611, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 09/09/2024).
" (...) III. RECURSO DE REVISTA. REGIDO PELA LEI 13.467/2017. TURNOS ININTERRUPTOS DE REVEZAMENTO. NORMA COLETIVA EM QUE PREVISTA JORNADA DE ONZE HORAS DIÁRIAS. JORNADA VÁLIDA. TEMA 1046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF. MATÉRIA JULGADA. ARE 1.121.633. PRESTAÇÃO DE HORAS EXTRAS HABITUAIS. HORAS EXTRAS QUE EXTRAPOLARAM A JORNADA DE TRABALHO PREVISTA NAS NORMAS COLETIVAS DEVIDAS. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA NA DECISÃO AGRAVADA. 1. Discute-se nos presentes autos a validade da norma coletiva em que instituído o regime de turno ininterrupto de revezamento, com jornada de 11 diárias, em sistemas de 2x2 e 3x3. 2. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão realizada em 02/06/2022, apreciou o Tema 1.046 do ementário de repercussão geral e deu provimento ao recurso extraordinário (ARE 1121633) para fixar a seguinte tese: " São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis ". Portanto, segundo o entendimento consagrado pelo STF, as cláusulas dos acordos e convenções coletivas de trabalho, nas quais previsto o afastamento ou limitação de direitos, devem ser integralmente cumpridas e respeitadas, salvo quando, segundo a teoria da adequação setorial negociada, afrontem direitos gravados com a nota da indisponibilidade absoluta. Embora não tenha definido o STF, no enunciado da Tese 1046, quais seriam os direitos absolutamente indisponíveis, é fato que eventuais restrições legais ao exercício da autonomia da vontade, no plano das relações privadas, encontram substrato no interesse público de proteção do núcleo essencial da dignidade humana (CF, art. 1º, III), de que são exemplos a vinculação empregatícia formal (CTPS), a inscrição junto à Previdência Social, o pagamento de salário mínimo, a proteção à maternidade, o respeito às normas de proteção à saúde e segurança do trabalho, entre outras disposições minimamente essenciais. Nesse exato sentido, a Lei 13.467/2017 definiu, com clareza, conferindo a necessária segurança jurídica a esses negócios coletivos, quais seriam os direitos transacionáveis (art. 611-A da CLT) e quais estariam blindados ao procedimento negocial coletivo (art. 611-B da CLT). Ao editar a Tese 1.046, a Suprema Corte examinou recurso extraordinário interposto em instante anterior ao advento da nova legislação, fixando, objetivamente, o veto à transação de "direitos absolutamente indisponíveis", entre os quais não se inserem, obviamente, direitos de índole essencialmente patrimonial, inclusive suscetíveis de submissão ao procedimento arbitral (Lei 9.307/96), como na hipótese, em que se questiona a jornada para os turnos ininterruptos de revezamento. 3. A instituição do regime de turno ininterrupto de revezamento com jornada em turnos de 11 horas diárias, em sistemas de 2x2 e 3x3, quando previsto em norma coletiva, é plenamente válida e deve ser respeitada, sob pena de maltrato ao artigo 7º, XXVI, da Constituição Federal. Todavia, no presente caso, o Tribunal Regional, com amparo nas provas dos autos, insuscetíveis de reexame nesta instância extraordinária (Súmula 126/TST), constatou a habitual prestação de horas extras além do módulo semanal estabelecido em norma coletiva. Consignou que, "(...) restou comprovado que a jornada prevista nos demais turnos de revezamento não era observada, pois revelam a realização de horas extras, o que leva ao desvirtuamento do pactuado entre as partes, consoante dispõe o item IV da Súmula nº 85 do C. TST. Concluiu, pois, serem devidas, como extras, as horas laboradas além da 6ª diária. 4. É certo que esta Corte Superior sedimentou o entendimento de que a prestação habitual de horas extras além do módulo semanal estabelecido na norma coletiva evidenciava que a própria Reclamada descumpria o disposto no instrumento coletivo, razão pela qual o caso dos autos não guardaria relação com o Tema 1.046 do ementário de Repercussão Geral do STF - validade de acordo ou convenção coletiva de trabalho que disponha sobre a limitação ou redução de direitos trabalhistas. Ocorre que o Plenário do Supremo Tribunal Federal, em sessão virtual realizada de 5.4.2024 a 12.4.2024, no julgamento do RE 1.476.596/MG, decidiu, por unanimidade, que a prestação habitual de horas extras não é suficiente para afastar a aplicação do instrumento coletivo, tampouco configura descumprimento da norma coletiva. Nesse cenário, em razão da prestação habitual de horas extras além da 11ª diária, restam devidas como extras as horas prestadas além do módulo semanal instituído pelos instrumentos normativos. 5. Desse modo, a decisão do Tribunal Regional, no sentido de afastar a aplicação das normas coletivas em questão, mostra-se dissonante com a tese de repercussão geral firmada pelo STF restando, consequentemente, divisada a transcendência política do debate proposto e configurada a ofensa ao artigo 7º, XXVI da CF. Julgados. Recurso de revista conhecido e parcialmente provido" (RR-257-58.2022.5.08.0114, 5ª Turma, Relator Ministro Douglas Alencar Rodrigues, DEJT 26/08/2024).
"AGRAVO EM RECURSO DE REVISTA - REGÊNCIA PELA LEI 13.467/2017 - TURNO ININTERRUPTO DE REVEZAMENTO. ELASTECIMENTO POR NORMA COLETIVA. HORAS EXTRAS HABITUAIS. TEMA 1046 DA TABELA DE REPERCUSSÃO GERAL DO STF - TRANSCENDÊNCIA NÃO CONSTATADA. O Supremo Tribunal Federal, ao deliberar sobre o Recurso Extraordinário com Agravo nº 1.121.633, de relatoria do Ministro Gilmar Mendes (Tema 1.046 da Tabela de Repercussão Geral), estabeleceu tese jurídica nos seguintes termos: "São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis" . Assim, é válida a norma coletiva que estabelece limitações ou supressões de direitos trabalhistas, desde que esses direitos não sejam absolutamente indisponíveis, o que não é o caso dos autos, pois a própria Constituição prevê, em seu artigo 7º, XIV, a possibilidade de negociação coletiva sobre jornada de trabalho em turnos ininterruptos de revezamento. Ademais, o limite máximo de 2 horas no acréscimo da jornada, estabelecido no caput do artigo 59 da CLT e utilizado na construção jurisprudencial da Súmula 423 do TST, não é um direito de indisponibilidade absoluta, pois não tem previsão constitucional. Dessa forma, pode ser objeto de negociação entre as partes coletivas, indicando que o mencionado verbete sumular está ultrapassado no que se refere à limitação máxima do prolongamento do turno ininterrupto de revezamento a 8 horas diárias. Por fim, à luz do entendimento delineado pelo STF ao estabelecer a tese no Tema 1.046, conclui-se que a prestação habitual de horas extras, por si só, não é motivo suficiente para anular as disposições que estabeleceram a jornada diária e a carga semanal para os empregados sujeitos aos turnos de revezamento. Julgados. Não merece reparos a decisão monocrática que deu provimento ao recurso de revista da reclamada. Agravo a que se nega provimento " (Ag-RR-798-40.2022.5.08.0131, 8ª Turma, Relator Ministro Sergio Pinto Martins, DEJT 26/08/2024).
Fontes:
Curso de direito do trabalho / Luciano Martinez. – 11. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2020.
Direito do trabalho / Carla Teresa Martins Romar; coordenador Pedro Lenza. – 5. ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2018.
Alan Monteiro
Advogado
Publicado em 30/09/2024
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