A figura de grupo econômico após a reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017)
- Alan L Meirelles Monteiro
- 20 de jun. de 2020
- 15 min de leitura
Atualizado: 8 de jun. de 2021
1. O Empregador pode ser definido como a pessoa física, jurídica ou ente despersonificado que contrata uma pessoa física para a prestação de serviços, efetuados com pessoalidade, onerosidade, não eventualidade e sob sua subordinação (Curso de Direito do Trabalho: Mauricio Godinho Delgado, 17ª edição, São Paulo: LTr, 2018).
2. De acordo com o Caput do art. 2º da CLT, é o empregador quem assume os riscos da atividade econômica. Com efeito, não pode o empregador querer transferir eventuais prejuízos financeiros para os seus empregados. Independentemente da atividade empresarial ser bem sucedida ou não, o empregador tem a obrigação de honrar com os haveres trabalhistas devidos aos seus empregados.
3. No mesmo sentido, o art. 10 da CLT dispõe que qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados. Dessa forma, evita-se que a relação empregatícia se rompa em função da simples substituição do titular do empreendimento empresarial (princípio da continuidade da relação empregatícia), assim como busca-se proteger o empregado contra alterações decorrentes do dinamismo econômico ou até mesmo modificações que tenham o objetivo de prejudicar direitos do trabalhador.
4. Diante do dinamismo econômico e da sensível dificuldade que muitos empregados tem de receber os seus haveres trabalhistas, o §2º do art. 2º da CLT surgiu como importante ferramenta para ampliar as chances do empregado de conseguir receber o seu crédito trabalhista.
5. O texto conferido pelo Decreto-lei nº 5.452/43 tinha o seguinte teor:
Art. 2º, § 2º, da CLT - "Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas."
6. A partir desse texto, destacaram-se duas correntes interpretativas sobre a formação de grupo econômico de empresas trabalhistas. A primeira adota a tese de que deve haver efetiva direção hierárquica, enquanto a segunda perfilha o entendimento de que basta a relação de simples coordenação entre as empresas do grupo, independente do controle e fiscalização pela empresa considerada principal, para o reconhecimento do grupo econômico.
7. Em outras palavras, a primeira vertente adota entendimento restritivo exigindo a ocorrência de nexo de efetiva direção hierárquica (dominação interempresarial). Ao passo que a segunda vertente entende que a relação de simples coordenação seria suficiente para caracterizar o nexo relacional exigido pela lei (coordenação interempresarial).
8. Para os que interpretam o § 2º do art. 2º da CLT de forma ampla, o grupo econômico trabalhista poderia decorrer da existência de laços de direção “ou” coordenação em face de atividades industriais, comerciais, financeiras, entre outras relações de natureza econômica, ou seja, a configuração do grupo econômico poderia decorrer de mera relação de coordenação entre elas.
9. Todavia, o Tribunal Superior do Trabalho - TST uniformizou seu entendimento no sentido de que é necessária para a configuração do grupo econômico a constatação de relação de subordinação hierárquica entre as empresas e que o simples fato de haver sócios em comum não implica por si só o reconhecimento do grupo econômico.
10. De acordo com o TST, o entendimento de que o simples fato de haver sócios em comum poderia configurar grupo econômico, atentaria contra o princípio da livre iniciativa prevista no art. 170, caput, da Constituição, pois, se assim se entendesse, nenhuma pessoa física que participa de alguma sociedade poderia participar de uma empresa diversa ou mesmo criar uma diferente atividade ante o receio de vir a ser responsabilizada por atos de terceiros, independente de outros fatores quaisquer, mas apenas em face de haver algum tipo de relacionamento entre elas.
11. Nesse sentido, os seguintes precedentes do TST:
"EXECUÇÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. GRUPO ECONÔMICO. CONFIGURAÇÃO. MERA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA. ARTIGO 5º, II, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. VIOLAÇÃO DIRETA 1. Em execução, a configuração de afronta direta ao princípio da legalidade há que ser apreciada "cum grano salis", de modo a permitir avaliar, caso a caso, a virtual possibilidade de afronta literal e direta ao artigo 5º, II, da Constituição Federal, não obstante se possa admitir, em alguma medida, a origem infraconstitucional da questão jurídica controvertida. Precedentes da SbDI-1 do TST. 2. O reconhecimento de grupo econômico e a consequente atribuição de responsabilidade solidária a empresa distinta daquela com a qual se estabeleceu o vínculo de emprego, com fundamento estritamente na presença de sócios em comum, sem a demonstração da existência de comando hierárquico de uma empresa sobre as demais, acarreta imposição de obrigação não prevista no artigo 2º, § 2º, da CLT. Decisão judicial desse jaez, ao atribuir responsabilidade solidária sem amparo legal, afronta diretamente o princípio da legalidade. 3. Não merece reparos acórdão de Turma do TST que afasta a responsabilidade solidária imputada à Terceira Embargante com fundamento em violação à norma do artigo 5º, II, da Constituição Federal. 4. Embargos interpostos pelo Exequente, em sede de embargos de terceiro, de que se conhece, por divergência jurisprudencial, e a que se nega provimento". (E-ED-RR - 92-21.2014.5.02.0029, Redator Ministro João Oreste Dalazen, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 02/02/2018).
"RECURSO DE EMBARGOS EM RECURSO DE REVISTA. CONFIGURAÇÃO DE GRUPO ECONÔMICO. ART. 2º, § 2º, DA CLT. EXISTÊNCIA DE SÓCIOS EM COMUM. A interpretação do art. 2º, § 2º, da CLT conduz à conclusão de que, para a configuração de grupo econômico, não basta a mera situação de coordenação entre as empresas. É necessária a presença de relação hierárquica entre elas, de efetivo controle de uma empresa sobre as outras. O simples fato de haver sócios em comum não implica por si só o reconhecimento do grupo econômico. No caso, não há elementos fáticos que comprovem a existência de hierarquia ou de laços de direção entre as reclamadas que autorize a responsabilidade solidária. Recurso de Embargos conhecido por divergência jurisprudencial e desprovido". (E-ED-RR - 214940-39.2006.5.02.0472, Relator Ministro Horácio Raymundo de Senna Pires, Subseção I Especializada em Dissídios Individuais, Data de Publicação: DEJT 15/08/2014).
12. Portanto, o TST tem entendido que o reconhecimento de grupo econômico, com a consequente imputação de responsabilidade solidária, sem a demonstração de vínculo hierárquico entre ela, de efetivo controle de uma empresa líder sobre as demais, violava o art. 2º, § 2º, da CLT. De modo que para a configuração de grupo econômico, não basta a mera situação de coordenação entre as empresas".
13. À título de exemplo, no processo nº TST-RR-10135-90.2015.5.03.0146, o Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região - TRT3 entendeu ser suficiente para caracterização de grupo econômico a existência de coordenação entre as empresas. A esse respeito, registrou que, "no caso concreto, o conjunto probatório anexado aos autos, que conduz à inexorável conclusão de que as empresas rés formam, sim, grupo econômico. A uma porque há coincidência de sócios e diretores, também pela declaração do preposto da 1ª e 2ª Reclamadas em audiência, in verbis: ‘Que todas as três reclamadas pertencem a mesma família, sendo que há sócios de fato em comum’".
14. A Corte Regional entendeu configurada a existência de grupo econômico, porquanto as Reclamadas exploravam empreendimento comum, sob o comando de um mesmo grupo familiar. No particular, registrou que "a caracterização de grupo econômico no Direito do Trabalho não se reveste das mesmas características e exigências comuns da legislação comercial, bastando que haja elo empresarial e integração entre as empresas, a concentração da atividade empresarial em um mesmo empreendimento, ainda que sejam diferentes as personalidades jurídicas”.
15. Todavia, os Ministros da Quarta Turma do Tribunal Superior do Trabalho, acompanhando o entendimento firmado pelo TST, entenderam que, no caso, não teria sido demonstrada a existência de relação de subordinação hierárquica entre as Reclamadas, tendo a Corte Regional amparado sua decisão apenas na existência de coordenação entre as empresas. Com efeito, o reconhecimento de grupo econômico, com a consequente imputação de responsabilidade solidária, sem a demonstração de vínculo hierárquico entre as Reclamadas, de efetivo controle de uma empresa líder sobre as demais, enseja imposição de obrigação não prevista em lei.
16. Com o advento da lei nº 13.467/2017, houve a modificação do §2º e o acréscimo do §3º ao art. 2º da CLT, que passaram a ter os seguintes textos:
"§ 2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico, serão responsáveis solidariamente pelas obrigações decorrentes da relação de emprego. § 3º Não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes."
17. Apesar de ter havido pouca alteração textual, pode se dizer que o acréscimo da conjunção “ou” separou os entes que podem ser responsabilizados solidariamente em dois grupos. No primeiro grupo ficariam as empresas que tem relação direta, ou seja, existe uma relação de direção, controle ou administração entre as empresas, ao passo que no segundo grupo as empresas podem ser responsabilizadas mesmo que tenham autonomia, ou seja, não haja ingerência recíproca, sendo suficiente que se beneficiem economicamente da sua atuação conjunta no mercado. Portanto, houve uma inegável ampliação do sentido de grupo econômico.
18. Acontece que as expressões interesse integrado, comunhão de interesses e atuação conjunta parecem tipos abertos que poderão trazer diferentes interpretações. Além disso, é preciso que estejam presentes os três elementos, pois a lei não usa a conjunção alternativa “ou”, mas a conjunção aditiva “e” (Comentário à CLT / Sergio Pinto Martins, 21ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018).
19. Trata-se, portanto, de alteração de lei que pode modificar o entendimento, anteriormente, firmado pelo Colendo TST.
20. No processo nº TST-ARR-494-20.2018.5.10.0812, de relatoria do Ministro Ives Gandra da Silva Martins Filho, julgado em 02/06/2020, a 4ª Turma do TST, reconheceu que o recurso de revista demonstrava a transcendência jurídica, nos termos do art. 896-A, § 1º, IV, da CLT, uma vez que o debate jurídico que emergia da causa dizia respeito à caracterização, ou não, de grupo econômico, instituto jurídico remodelado pela Lei 13.467/17, nos §§ 2º e 3º do art. 2º da CLT, cujas alterações se aplicam ao referido processo, em face do ajuizamento da ação em 28/05/18, já pelo prisma da Lei nova.
21. Assim sendo, tratando-se de inovação à CLT, que ainda não foi analisada pela SBDI-1 do TST em sede jurisdicional, a 4ª Turma do TST reconheceu a transcendência jurídica e passou a analisar o mérito do caso, valendo-se dos seguintes fundamentos:
"Conforme destacado, a presente ação foi proposta em 28/05/18 e se refere ao período de prestação laboral iniciado em 07/04/15 e que findou em 11/05/18, de maneira que a controvérsia deve ser dirimida à luz da atualização legislativa referente ao instituto jurídico do grupo econômico. Com efeito, nos moldes elencados pela antiga redação do art. 2°, § 2°, da CLT, a caracterização do grupo econômico sujeitava-se à existência de subordinação entre as empresas do grupo (grupo econômico por subordinação ou vertical), in verbis: (...) Ocorre que a Reforma Trabalhista, Lei 13.467/17, inspirada na redação do art. 3º, § 2º, da Lei do Trabalho Rural (Lei 5.889/73), passa a adotar expressamente a figura do grupo econômico por coordenação (grupo econômico horizontal), a par do já consagrado grupo econômico por subordinação. (...) Ademais, ratificando a jurisprudência desta Corte, o legislador inseriu o § 3º no art. 2º da CLT, segundo o qual "não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes" (grifos nossos). Da análise dos citados dispositivos legais, nota-se que a mera existência de sócios ou de objeto social em comum não tem o condão de caracterizar o grupo econômico, a resultar na responsabilização solidária da Recorrente, já que se faz necessária a existência de influência de uma empresa sobre outra ou de elementos mínimos que evidenciem integração interempresarial, com comunhão de interesses e atuação conjunta em prol de objetivos comuns, hipóteses não verificadas nos presentes autos. Das premissas fáticas lançadas pelo Tribunal a quo, não se extrai a existência de direção, administração ou controle entre as demais Reclamadas e a Recorrente, tampouco a presença de integração interempresarial, efetiva comunhão de interesses ou atuação conjunta entre esta e aquelas. A bem da verdade, para concluir pela responsabilidade solidária da MB Engenharia SPE 040, o regional assentou tão somente que "o grupo ASA detém 10% de participação na empresa MB Engenharia SPE 068, a qual, como a recorrente, está ligada a Brookifield MB Emprendimentos Imobiliários S/A" (grifos nossos) e que, "pertencendo ao mesmo grupo, não há razão para excluir a recorrente da condenação imposta na origem" (grifo nosso). Assim, no caso concreto, ao manter a configuração do grupo econômico e a consequente responsabilidade solidária da Recorrente MB Engenharia SPE 040, por mera e remota identidade societária, infere-se possível violação, pelo Regional, do art. 2º, § 3º, da CLT, em sua literalidade. (...)"
22. Nessa Conjuntura, a 4ª Turma do TST, deu provimento ao recurso de revista para, reformando a decisão regional, em observância ao disposto no art. 2º, § 3º, da CLT, introduzido pela Lei 13.467/17, reconhecer a ausência dos elementos caracterizadores do grupo econômico, com a consequente exclusão da responsabilidade solidária da Reclamada MB Engenharia SPE 040 S.A., excluindo-a do polo passivo da presente demanda.
23. A seguir a ementa do acórdão:
"I) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA MB ENGENHARIA SPE 040 S.A. - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA - RECONHECIMENTO DE GRUPO ECONÔMICO - MERA PARTICIPAÇÃO SOCIETÁRIA DO GRUPO DA EMPREGADORA EM EMPRESA COLIGADA À RECORRENTE - POSSÍVEL VIOLAÇÃO DO ART. 2º, § 3º, DA CLT - TRANSCENDÊNCIA JURÍDICA RECONHECIDA - PROVIMENTO . Tratando-se de matéria nova a relativa a grupo econômico, instituto jurídico remodelado pela Lei 13.467/17, reconhece-se a transcendência jurídica do recurso de revista, e, constatando-se que o TRT condenou a Recorrente a responder solidariamente pelos créditos deferidos à Obreira, a partir de mera participação societária do grupo controlador da empregadora em empresa coligada à MB Engenharia SPE 040 S.A., dou provimento ao agravo de instrumento empresarial, por possível violação do novel art. 2º, § 3º, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e provido. II) RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA MB ENGENHARIA SPE 040 S.A. - VIOLAÇÃO DO ART. 2º, § 3º, DA CLT - AÇÃO PROPOSTA APÓS A ENTRADA EM VIGOR DA LEI 13.467/17 - RECURSO PROVIDO. 1. Nos moldes elencados pela antiga redação do art. 2°, § 2°, da CLT, a caracterização do grupo econômico sujeitava-se à existência de subordinação entre as empresas do grupo (grupo econômico por subordinação ou vertical). Ocorre que a Reforma Trabalhista, Lei 13.467/17, inspirada na redação do art. 3º, § 2º, da Lei do Trabalho Rural (Lei 5.889/73), passa a adotar expressamente a figura do grupo econômico por coordenação (grupo econômico horizontal), a par do já consagrado grupo econômico por subordinação. 2. Ademais, ratificando a jurisprudência desta Corte, o legislador inseriu o § 3º no art. 2º da CLT, segundo o qual " não caracteriza grupo econômico a mera identidade de sócios, sendo necessárias, para a configuração do grupo, a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes ". 3. Da análise dos citados dispositivos legais, nota-se que a mera existência de sócios ou de objeto social em comum, não tem o condão de caracterizar o grupo econômico, a resultar na responsabilização solidária da Recorrente, já que se faz necessária a existência de influência de uma empresa sobre outra ou de elementos mínimos que evidenciem integração interempresarial, com comunhão de interesses e atuação conjunta em prol de objetivos comuns, hipóteses não verificadas nos presentes autos. 4. Por todo o exposto, reconhecida a transcendência jurídica da questão e em face da decisão regional recorrida, tem-se por violado o art. 2º, § 3º, da CLT, devendo ser absolvida a Reclamada MB Engenharia SPE 040 S.A. da responsabilidade solidária que lhe foi imputada . Recurso de revista provido. III) AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA DA RECLAMADA SANTA IZABEL ALIMENTOS LTDA. - TRANSCENDÊNCIA NÃO RECONHECIDA - SUCESSÃO EMPRESARIAL - OBSTÁCULO DA SÚMULA 126 DO TST - DESPROVIMENTO. 1. Tratando-se de acórdão do Tribunal Regional publicado na vigência da Lei 13.467/17, o recurso de revista submete-se ao crivo da transcendência, nos termos do art. 896-A da CLT. 2. In casu , quanto ao tema versado no agravo de instrumento, a saber, o reconhecimento de sucessão empresarial , verifica-se que o recurso de revista patronal não atende a nenhum dos requisitos do art. 896-A da CLT, a par de a matéria esbarrar no óbice da Súmula 126 do TST. 3. Desse modo, não sendo transcendente o recurso de revista, deve ser negado provimento ao agravo de instrumento que visava a destrancá-lo. Agravo de instrumento conhecido e desprovido" (ARR-494-20.2018.5.10.0812, 4ª Turma, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, DEJT 05/06/2020).
24. Sendo assim, o precedente da 4ª Turma do TST serve como indicativo de que o entendimento, anteriormente, firmado pelo TST deverá ser modificado para reconhecer a possibilidade de caracterização da figura de grupo econômico por coordenação interempresarial. Não obstante, ao que parece, em face do §3º do art. 2º da CLT, deverá ser mantido o entendimento de que a mera existência de sócios ou de objeto social em comum não tem o condão de caracterizar o grupo econômico, a resultar na responsabilização solidária, já que se faz necessária, segundo a lei, a existência de influência de uma empresa sobre outra ou de elementos mínimos que evidenciem integração interempresarial, com interesse integrado, comunhão de interesses e atuação conjunta em prol de objetivos comuns.
25. Nesse sentido, o Ministro do TST Maurício Godinho Delgado entende que a nova redação do art. 2º, §2º, da CLT expungiu a ideia de hierarquia rígida entre os componentes do grupo. De modo que no contexto do sistema econômico atual as empresas componentes de grupos tendem a preservar certo desprendimento administrativo e operacional, para melhor se desenvolverem e conquistarem mercado, mas mantêm-se umbilicalmente estruturadas dentro de uma lógica unitária, ainda que sem uniformização burocrática, administrativa e operacional.
26. A princípio, a prova quanto aos requisitos previstos no §3º do art. 2º da CLT, necessários para a caracterização do grupo econômico por coordenação, seria do reclamante/autor (art. 818, I, da CLT). Entretanto, o empregado pode ter dificuldade para provar a existência do grupo econômico, pois, em alguns casos, a demonstração do interesse integrado, efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta pode não ser de fácil visualização ou comprovação.
27. Todavia, desde que o Reclamante/Autor consiga trazer indícios da existência de algum desses requisitos, como por exemplo, a identidade de sócios e a identidade entre as atividades econômicas realizadas pelas empresas, parece ser razoável a aplicação do §1º do art. 818 da CLT, segundo o qual, nos casos previstos em lei ou diante de peculiaridades da causa relacionadas à impossibilidade ou à excessiva dificuldade de cumprir o encargo probatório ou à maior facilidade de obtenção da prova do fato contrário, poderá o juízo atribuir o ônus da prova de modo diverso, desde que o faça por decisão fundamentada, caso em que deverá dar à parte a oportunidade de se desincumbir do ônus que lhe foi atribuído.
28. Ainda que a identidade dos sócios não seja suficiente para caracterizar o grupo econômico por coordenação, mas pode ser suficiente para que seja atribuída a inversão do ônus da prova, sob pena de se exigir do reclamante/autor uma prova diabólica ou impossível. O que, na prática, poderia esvaziar a própria finalidade do dispositivo, cujo objetivo foi ampliar o conceito de grupo econômico.
29. Nesse sentido, o Enunciado 5, aprovado na 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho:
"GRUPO ECONÔMICO TRABALHISTA. DISTRIBUIÇÃO RACIONAL DO ÔNUS DA PROVA I. A LEI 13.467/2017 RECONHECEU EXPRESSAMENTE A FIGURA DO GRUPO ECONÔMICO TRABALHISTA POR COORDENAÇÃO (ART. 2º, §2º) E ESTABELECEU REQUISITOS SUBJETIVOS (INTERESSE INTEGRADO E COMUM) E OBJETIVOS (ATUAÇÃO CONJUNTA) PARA A CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO, A SEREM VERIFICADOS NO CASO CONCRETO PELO JUÍZO (ART. 2º, §3º); II- NAS HIPÓTESES RESTRITAS DE APLICAÇÃO DO PARÁGRAFO 3º DO ARTIGO 2º DA CLT, A MERA IDENTIDADE DE SÓCIOS ENTRE AS EMPRESAS INTEGRANTES, EMBORA NÃO BASTE À CARACTERIZAÇÃO DO GRUPO ECONÔMICO, CONSTITUI INDÍCIO QUE AUTORIZA A INVERSÃO OU REDISTRIBUIÇÃO DO ÔNUS DA PROVA, NOS TERMOS DO ART. 818 § 1º DA CLT, COM REDAÇÃO DADA PELA LEI 13.467/2017. INCUMBE ENTÃO AO EMPREGADOR O ÔNUS DE COMPROVAR A AUSÊNCIA DE INTERESSES INTEGRADOS, DA COMUNHÃO DE INTERESSES E/OU DA ATUAÇÃO CONJUNTA DAS EMPRESAS. APLICAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA APTIDÃO PARA A PROVA E DA PARIDADE DE ARMAS EM CONCRETO (ISONOMIA PROCESSUAL)."
30. Diante do exposto, possível concluir que a reforma trabalhista, no que diz respeito a figura de grupo econômico, poderá ter efeitos positivos para os empregados, pois ao ampliar o conceito de grupo econômico também amplia as chances de que outras empresas, participantes do grupo econômico, sejam condenadas a responder solidariamente, o que acaba aumentando as chances de pagamento do crédito trabalhista. Todavia, é importante que a interpretação dos requisitos relacionados à caracterização do grupo econômico não seja restritiva, sob pena de não atender a teleologia da lei.
31. Nesse sentido, os seguintes julgados do TRT6:
"RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA. GRUPO ECONÔMICO. Nos moldes do art. 2°, §2°, da CLT, não se exige prova documental da existência formal de grupo econômico, sendo possível a constatação desse instituto pela simples existência de indícios de que as empresas estão economicamente associadas, restando verificado o interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas dele integrantes. Recurso Ordinário obreiro a que se dá provimento, no particular."(TRT6. Processo: ROT - 0001335-93.2018.5.06.0143, Redator: Maria do Socorro Silva Emerenciano, Data de julgamento: 01/04/2020, Primeira Turma, Data da assinatura: 02/04/2020)
"RECURSO OBREIRO. GRUPO ECONÔMICO. RESPONSABILIDADE. Na Justiça do Trabalho, a configuração de grupo econômico não exige prova de sua formal institucionalização. Descarta-se a necessidade de submissão à tipificação que prevalece em outros âmbitos do direito, como o empresarial e o tributário, que adotam pressupostos específicos, pois a finalidade da caracterização, na especializada, é garantista. Pode-se acolher a existência da figura do grupo econômico desde que surjam evidências de que estão presentes os elementos de integração interempresarial de que fala a lei (§2º, do artigo 2º, da CLT). Não é sequer imprescindível que, entre as empresas componentes do grupo, haja uma relação de controle hierárquico, essencialmente assimétrica, como outrora era frequente defender-se. Hoje, considera-se suficiente a existência de uma relação de coordenação, muitas vezes materializada na participação acionária de uma empresa em outra, ou na associação para o desempenho de uma mesma atividade econômica, preservadas a personalidade e a autonomia de cada uma. A conexão pode travar-se até mesmo entre empresas e pessoas físicas, dado que a atividade econômica pode ser exercida pela sociedade empresária ou mesmo pela pessoa do empresário, individualmente. No caso, a prova necessária para o reconhecimento da responsabilidade solidária da SARAIVA EQUIPAMENTOS LTDA consta nos autos. Recurso provido, no particular." (TRT6. Processo: ROT - 0000626-76.2017.5.06.0019, Redator: Ruy Salathiel de Albuquerque e Mello Ventura, Data de julgamento: 17/09/2019, Terceira Turma, Data da assinatura: 17/09/2019)
32. Por outro lado, a reforma também deu maior segurança jurídica para os empregadores, pois impede, expressamente, a caracterização de grupo econômico quando houver apenas a mera identidade de sócios, sendo necessária a demonstração do interesse integrado, a efetiva comunhão de interesses e a atuação conjunta das empresas.
Autor: Alan Leite Meirelles Monteiro (Advogado - OAB/PE n° 34.930)
Publicação: 20 de junho de 2020
Fontes Bibliográficas:
Curso de Direito do Trabalho: Mauricio Godinho Delgado, 17ª edição, São Paulo: LTr, 2018.
Comentário à CLT / Sergio Pinto Martins, 21ª ed., São Paulo: Saraiva, 2018.